Está é minha Súmula curricular. Mas como nem tudo cabe no Lattes, eu relato a seguir minhas melhores práticas que contribuem para o desenvolvimento científico, tecnológico e educacional e que me permitiram seguir um caminho por uma sociolinguística socialmente sensível e alinhada às práticas de Ciência Aberta
Campo emergente e interdisciplinar, com interface com a Psicolinguística e as Ciências Cognitivas, os estudos de processamento da variação linguística visam desvelar o custo cognitivo do processamento de um dado traço linguístico, considerando os padrões de recorrência da produção e os padrões de julgamento da percepção.
O esforço cognitivo associado ao processamento de uma variante pode ser medido de maneira direta, com o tempo de resposta, ou indireta, com os reparos e correções do falante. Os resultados destas medidas podem ser obtidos por diferentes desenhos experimentais, cujas tarefas permitem o controle do contexto para minimizar efeitos de outras variáveis intervenientes, assim como possibilitam a aferição dos efeitos de diferentes situações para um mesmo alvo. A conjugação de tarefas com medidas implícitas e explícitas, assim como resultados obtidos por métodos observacionais pode apontar para a atuação de forças cognitivas implícitas, como a consciência sociolinguística, e explícitas, como o prescritivismo, ou, ainda, pela conjunção das duas.
Com Marije Soto, organizei um dossiê para a Revista de Estudos da Linguagem intitulado Processamento da variação linguística, que reúne 14 artigos tratando do tema.
Um deles é Processamento da variação linguística: desafios para integrar aquisição, diversidade e compreensão em um modelo de língua, em que discutimos os desafios de conciliar o controle exigido em pesquisa experimental com o paradoxo do observador da sociolinguística, além das limitações decorrentes da tecnologia disponível para o estudo, assim como da construção de um modelo de língua que envolva diversidade e estrutura.
O que seria do vermelho se todo mundo só gostasse do amarelo? Por que uns gostam de vermelho e outros de amarelo? Transpondo para a língua, por que certos traços linguísticos são bem apreciados e avaliados, e outros são o contrário? Este é o tema do meu projeto de Produtividade em Pesquisa atual. Em termos metodológicos, para identificar a que significados sociais uma variante está associada, a abordagem sociolinguística considera fenômenos de variação do ponto de vista da produção (quem usa? em que contextos?) e do ponto de vista da percepção (como os falantes julgam as variantes? a quem eles as associam?). Um artifício conceitual utilizado para articular as duas perspectivas de abordagem é a saliência. No período de 2017 a 2020, meu foco de pesquisa foi investigar a relação entre saliência cognitiva e consciência social, testando diversas abordagens e em diversos fenômenos.
Os achados do desenvolvimento deste projeto foram sistematizados para a leitura, no artigo A sociolinguística da leitura, em linguagem clara e acessível, com possibilidade de transladação didática para a aula de Língua Portuguesa.
No artigo Saliência estrutural, distribucional e sociocognitiva, discuti os diferentes tipos de saliência que atuam no processamento da variação linguística, tanto na produção quanto na percepção.
Na produção, observamos, eu, Bruno Pinheiro e Paloma Cardoso, a Saliência na conservação de /d/ no segmento /ndo/: efeitos sociais e estilísticos.
A variação entre nós e a gente é um fenômeno que permite contrastar a percepção e produção, como no artigo Uso, crença e atitudes na variação na primeira pessoa do plural no Português Brasileiro, ou verificar os efeitos de fatores externos no julgamento em testes de reação subjetiva, como apresentamos, eu, Paloma Cardoso e Paula Yasmim Gois, no capítulo A percepção da variação na primeira pessoa do plural: efeitos do monitoramento estilístico e da urbanização.
Mas nenhum fenômeno supera a palatalização para o estudo dos efeitos de saliência no processamento da variação. Junto com Adelmileise de Oliveira, neste capítulo mostramos Percepção e atitudes linguísticas em relação às africadas pós-alveolares em Sergipe considerando os dois contextos: palatalização regressiva e palatalização progressiva em um teste de reação subjetiva do tipo verbal guise. Os resultados foram refinados para considerar os efeitos da concordância entre participantes e o método está descrito em Kappa statistic for judgment agreement in Sociolinguistics, cuja versão preliminar foi apresentada no 46 NWAV.
Pensando em estratégias metodológicas para medir os efeitos da sensibilidade à frequência de um traço linguístico (especificamente a palatalização regressiva e progressiva), repliquei o experimento do monitor sociolinguístico, cujos resultados foram apresentados no 47 NWAV e selecionado para publicação no volume do periódico UPenn WP dedicado aos trabalhdos do evento: Effects of the linguistic processing: palatals in Brazilian Portuguese and the sociolinguistic monitor.
No estudo da variação linguística, por limitação metodológica, uma única variável costuma ser isolada para seu comportamento ser observado, tanto na produção como na percepção. Por isso, junto com Victor Renê Andrade Souza, realizamos um experimento com um conjunto de traços linguísticos variáveis, me diferentes níveis de consciência. Discriminação de palavras e efeitos da variação linguística apresenta estes resultados, considerando o efeito do tempo de resposta.
Em busca de diversidade metodológica para desvelar os efeitos da saliência no processamento, observei pistas indiretas, como Reparos na leitura em voz alta como pistas de consciência sociolinguística, que apontam para padrões de apreciação social para além de indicadores, marcadores e estereótipos.
Outros domínios da língua também são sensíveis ao nível de consciência, como eu e Bruno Pinheiro mostramos no artigo Estereótipos na concordância de gênero em profissões: efeitos de frequência e saliência, com efeitos inclusive no tempo de leitura, como em Leitura de palavras-tabu e efeitos de gênero
A participação no projeto Tecnologias sociais para formalização e ressignificação de práticas culturais em Aracaju/SE, financiado pelo edital CAPES/FAPITEC/SE 05/2014, Programa de Integração da Ciência, Tecnologia e Inovação com a Educação Básica – Núcleos de CTI-EB, foi uma das experiências mais desafiadoras que enfrentei.
Na perspectiva da pedagogia culturalmente sensível (Erickson, 1987), segundo a qual a escola deve partir dos valores socioculturais da comunidade onde está localizada, buscamos investigar um arranjo produtivo local ainda não sistematizado, as comidas tradicionais.
A partir da identificação de valores, práticas e produções culturais no entorno de três comunidades escolares, fomentamos o desenvolvimento de tecnologias sociais relacionadas à produção de alimentos e o seu comércio informal. Desenvolvemos uma proposta de abordagem para identificar os alimentos tradicionais e típicos sergipanos, a partir do que é consumido diariamente, na forma do curso Em busca da comida mais sergipana. Foram realizadas oficinas para instrumentalizar os alunos a registrarem seus hábitos alimentares e da sua família, envolvendo conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática no processo de identificação e sistematização das receitas.
Curso Em busca da comida mais sergipana, disponível no Repositório Institucional da Universidade Federal de Sergipe, que pode ser replicado em outras escolas ou adaptado para outras realidades.
Inicialmente pensado como manual para a orientação da equipe, o livro Documentação Sociolinguística, coleta de dados e ética em pesquisa, publicado pela Editora da Universidade Federal de Sergipe e disponível gratuitamente para download, em que são apresentados as diretrizes de documentação sociolinguística em espaço escolar, bem como orientações para atendimento aos preceitos de ética em pesquisa científica.
Capítulo Processos fonológicos que passam da fala para a leitura, do livro organizado por Isabel Azevedo e Alberto Roiphe publicado pela Editora da Universidade Federal de Sergipe e disponível gratuitamente para download, em que são analisados processos fonológicos variáveis na fala e na leitura dos estudantes das escolas envolvidas no projeto que participaram da ação de documentação linguística. Estes resultados subsidiaram a proposta de controle de fluência em leitura e diagnóstico de perfil de leitor.
Artigo Pistas dos processos de decodificação que levam à compreensão da leitura, publicado na revisa Letras de Hoje, em coautoria com minha orientanda de doutorado Alessandra Pereira Gomes Machado, em que apresentamos uma proposta de diagnóstico de perfil de leitor, considerando as pistas de processos de automaticidade na decodificação que levam à compreensão da leitura, com a participação de estudantes da educação básica das escolas envolvidas no projeto.
Artigo Enem: motivações e expectativas de estudantes da rede pública estadual de Sergipe, resultado de um trabalho selecionado para apresentação no Encontro Nacional Ciência e Habilidades Socioemocionais (CHA-SE),em 2016, e posteriormente publicado na revista Scientia Plena, e que foi desenvolvido junto com os bolsistas de Iniciação Científica vinculados ao projeto em duas das escolas, Colégio Estadual Atheneu Sergipense e Colégio Estadual Ministro Petrônio Portela, avaliando expectativas prévias e posteriores à realização do Enem. Os resultados evidenciam as diferenças entre as escolas.
Além destes produtos, a formação de recursos humanos foi um diferencial: Alessandra Machado e Andréa Matos desenvolveram suas teses de doutorado, Rosângela Barros desenvolveu sua dissertação de mestrado, e três bolsistas de Iniciação Científica do projeto atualmente são mestrandos: Paloma Batista Cardoso, Victor Renê Andrade Souza e Lucas Santos Silva, que foi agraciado em 2018 e em 2017 com o Prêmio João Ribeiro de Divulgação Científica na categoria Jovem Cientista, com produtos derivados deste projeto.
Entre 2012 e 2016, coordenei dois projetos que tiveram como temática o tratamento das relações de gênero na Sociolinguística. No meu projeto de Produtividade em Pesquisa, Gênero, polidez e variação linguística, o ponto de partida foi a crença de que mulheres são mais polidas, nem falam palavrões. Será? E se não, por que existe essa percepção? Os fatores pragmáticos, como o efeito do entrevistador na fala do entrevistado, que pode ser medido quanto à polidez decorrente das relações de poder e de solidariedade estabelecidas entre entrevistador e entrevistado e em relação ao sexo/gênero demandam o desenvolvimento de estratégias metodológicas específicas, com um protocolo de de documentação para captar efeitos no uso que permitam evidenciar o perfil de gênero associado às variantes linguísticas em função dos papéis sociais.
Na mesma linha metodológica, o projeto Mulheres, linguagem e poder: estudos de gênero na sociolinguística brasileira, financiado pelo CNPq e pela infelizmente extinta Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, e coordenado conjuntamente com Cristine Severo, também estava alinhado às questões metodológicas. Considerando a linguagem e o papel contemporâneo das mulheres e das relações de gênero, discutimos ajustes teórico-metodológicos no campo da Sociolinguística desenvolvida no Brasil para oferecer um instrumental de pesquisa atualizado, especificamente, o papel do sexo/gênero na Sociolinguística no Brasil atual. Considero este empreendimento de pesquisa crucial para a consolidaçõ de minha carreira e de me permitir avançar não só no plano acadêmico, mas no plano das relações humanas, contribuindo para uma ciência engajada socialmente.
Os resultados do projeto foram compilados no livro Mulheres, Linguagem e Poder - Estudos de Gênero na Sociolinguística Brasileira, disponível para download gratuitamente.
O capítulo (Re)Discutindo Sexo/Gênero na Sociolinguística traça um panorama teórico e metodológico do tratamento desta variável nos estudos sociolinguísticos brasileiros, e dá os direcionais para o trabalho do grupo quanto ao tratamento desta categoria, inspirando ações de documentação linguística que considerem a gradiência de gênero em termos de identidade, orientação e expressão, conhecido como Biscoito do gênero
Um desses métodos de documentação linguística está descrito em Redes sociais, variação linguística e polidez: procedimentos de coleta de dados, desenvolvido em coautoria com a atual doutoranda e professora da Universidade Estadual de Santa Cruz Andreia Silva Araujo e Kelly Carine do Santos. O protocolo foi empregado para descrever efeitos de polidez na primeira pessoa do plural, como no artigo Efeitos de polidez na variação na primeira pessoa do plural, publicado na revista Veredas e em coautoria com Kelly Carine do Santos, e Primeira pessoa do plural com referência genérica e a polidez linguística, publicado na revista Soletras e em coautoria com a doutoranda Josilene de Jesus Mendonça.
Também com o mesmo protocolo de coleta, no artigo Assalto ao turno em interações assimétricas de sexo/gênero: disputa e cooperação, em coautoria com Rebeca Rodrigues de Santana e publicado na revista Linguagem & Sociedade, evidenciamos que o trabalho interacional de homens e mulheres é diferenciado, o que se evidencia por meio dos recursos linguísticos empregados pelos interactantes.
Um trabalho de natureza etnográfica e de documentação de comunidades de práticas que tamb;em subsidiou o estudo de gênero foi o realizado por Cristiane Santana Ribeiro e Thais Andrade Correa, no capítulo Relações de gênero e formas de tratamento em uma comunidade religiosa. Na comunidade do Açuzinho, um grupo religioso de mulheres, com uma líder mulher, tem padrões linguísticos das formas de tratamento ditados pelo único homem.
E em uma abordagem de percepção, no capítulo Inclusão, cooperação e gênero, do livro Gênero e lingua(gem): formas e usos, junto com Josilene de Jesus Mendonça, são elicidadas as crenças subjacentes à escolha de pronomes possesivos de primeira pessoa do plural em função dos gêneros dos participantes.